UMA SOLUÇÃO JURÍDICA REAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
O presente texto não possui a pretensão de um artigo jurídico, mas sim refletir sobre o limite da obrigação e a proteção do direito nas relações afetivas familiares.
Nessa oportunidade, enfrentaremos tema bastante sensível, qual seja, o direito de supressão de nome decorrente do abandono. O foco desse breve ensaio consiste em analisar a seguinte hipótese: – Quando o abandono traz como consequência devastadora o desejo de mudar a própria identidade, através da alteração do sobrenome.
Atualmente, desde a possibilidade de alteração do nome diretamente no cartório, muitas pessoas surgem com a questão: – E meu sobrenome? Posso mudar? Ao analisarmos verticalmente cada caso, constatamos que são inúmeras as versões e possibilidades, mas todas envolvendo dores em maior ou menor grau.
Ponderemos.
Quando se trata de algo estético, ou da inclusão de algum sobrenome familiar, não tratamos de dor, de abalo moral. Porém, já é diferente quando a motivação da mudança compreende a dor do abandono. Constatamos, nessas hipóteses, que carregar o nome de quem não te serviu de suporte causa um efeito devastador de dor, desonra e abalo, pois nesse caso o nexo que motiva à vontade possui causa e efeito causado por outra pessoa.
Para melhor compreensão do tema aqui provocado, devemos nos voltar para as seguintes indagações e a melhor de enfrentá-las:
Quando o não exercício de um direito, ofende outro direito e em outra pessoa?
Quando uma obrigação não cumprida faz nascer uma dor que nenhuma reparação é capaz de suprir?
Quando o Estado intervém para garantir e ponderar a socialidade?
O conceito exato de pretensão resistida reside justamente na hipótese de uma pessoa exercer sua vontade e isso invadir o direito de outra pessoa, e você, leitor, pode achar que o direito foi criado com esse fim e para essa resolução, que esse drama é a base regular de qualquer conflito, e eu até concordo com você.
Contudo, antes de adentrarmos ao enfretamento das indagações acima se faz necessário relembrar a existência dos direitos fundamentais, que norteiam esse tema, previstos em nossa Constituição Federal: Direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.
Ainda segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente: “Direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Assim é dever dos responsáveis, habitualmente os pais, instrumentalizar esses direitos aos filhos. O que tristemente, por vezes, não ocorre na prática, por consequência, retiram o direito de um filho a convivência social familiar.
Logo, aqui, não estamos falando de uma indenização como remédio para suprimir um passado de faltas, causadas pelo abandono, mas, sobre como efetivamente minimizar esse impacto.
Para melhor contextualização, imagine que aquele que te registrou, jamais te educou, ou conviveu, sequer pagou (reitero que a obrigação material de pagamento nada tem que ver com o direito à vida, a convivência, um não exclui o outro por assim dizer), mas imagine que você se tornou um adulto sem a presença paterna, e carregando consigo tudo que essa falta traz, e que essa falta era um direito seu e uma obrigação dele.
Essa criança cresce e se torna outro adulto, com todos os direitos decorrentes da personalidade, e o pai independente do cumprimento de sua obrigação segue com todos seus direitos protegidos, como por exemplo, pedir auxílio em caso de insuficiência para a manutenção da próprio sustento. O filho também pode ser chamado como único responsável vivo, na hipótese de internamento médico, e se esse pai tiver cometido infrações e ou crimes, o filho, ao carregar o sobrenome de forma legal, ficará sujeito às situações vexatórias que tal fato acarreta. Talvez seja difícil para você imaginar esse drama, então te proponho um exemplo: Casal se separa, o pai se torna ausente, não contribui na criação, no afeto e nem no desenvolvimento, e esse mesmo pai décadas depois se envolve em um crime, por exemplo um roubo, um assassinato, uma agressão violenta a alguém, com repercussão social. A mídia cumpre seu papel e divulga a cena, por consequência, todos os vizinhos, conhecidos e até familiares sabem que aquele acusado é o seu pai, e possivelmente comentem de e ou com você, ou até por desconhecimento comentem a cena com você. Como você se sentiria? Qual seria teu sentimento, se os amigos afastassem o filho do seu filho por causa dessa situação? Os comentários no seu colégio ou no colégio do seu filho ? Os comentários e fofocas no seu trabalho… consegue alcançar a profundidade do impacto desse sobrenome?
Quando ouvimos que o Estado nos protege de nós mesmos, justamente para tornar a sociedade possível, é sobre isso que falamos. Assim como o Estado ampara para valer o peso da obrigação para o adulto capaz que sem vício de vontade registra o filho, o mesmo Estado amparará o filho, tanto no pedido de indenização, quanto para que ele tenha a honra e os demais direitos resguardados, quando suas garantias foram limitadas pelo abandono da ação do pai. Então, no caso de uma ação de retirada do sobrenome, essa será uma ação de autoria filial, enquanto no outro polo figurará o Cartório de Registros Públicos, sem a necessidade de processar diretamente o pai. Claro que o filho poderá ajuizar a ação de abandono afetivo, inclusive se menor, por intermédio da mãe ou responsável, e o pai será o réu, nessa circunstância. No entanto, já numa ação de retirada do sobrenome, o genitor que concedeu o sobrenome será no máximo, se encontrado, ouvido como informante.
Logo, a descontinuação da parentalidade é um marco na proteção contra o abandono afetivo, material e qualquer responsabilidade oriunda da obrigação e desse direito.
Na Constituição Federal resta disposto:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (…)
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
Essa faculdade sublinha a importância de proteger a integridade emocional e psicológica das pessoas afetadas pelo abandono afetivo, e limitar suas inúmeras e devastadoras consequências. A ausência desse laço afetivo pode transformar o núcleo familiar em um ambiente de insegurança e hostilidade.
Em razão dessa triste condição e, porque não dizer particularidade, o convívio com o sobrenome dos ascendentes pode gerar desconforto e sofrimento psíquico, justificando, nessa hipótese, a flexibilização do rol da Lei de Registros Públicos (6.015/1973) em circunstâncias excepcionais como essa, permitindo assim, a redução da “dor”, que nenhuma reparação seria capaz de minimizar frente ao abandono afetivo. Aqui nasce o direito a retirar o sobrenome, aqui nasce a adequação da legalidade frente a um problema social.
E se você está passando por isso, quer retirar seu sobrenome, ou conhece alguém que necessite dessa informação, compartilhe!